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UMA CÁFILA DE SOLUÇÕES
UMA CÁFILA DE SOLUÇÕES *Cheida Na economia de mercado a lógica é que uns percam para que outros possam ganhar. O jogo onde todas as partes ganham parece conversa fiada: para que um ganhe, o outro também tem que ganhar. Que coisa absurda! O irresistível ganha-ganha, não parece lógico. Não parece coisa séria. Por isso, fica tão difícil solucionar, por exemplo, impasses ambientais. Um agricultor deve fazer sua reserva legal abrindo mão de 20% ou de 35% ou de 80% da propriedade, dependendo da região do país, para que a sociedade ganhe em qualidade de vida. Em uma sociedade capitalista, pede-se ao proprietário que abra mão de parte da santa e honorável propriedade privada. Na lógica de mercado isso é possível. Porém, nela, você abre mão de uma coisa em troca de outra coisa. Qual é a outra coisa que se oferece a este agricultor? Nenhuma coisa. Então, por que ele deve ceder um pouco daquilo que muito lhe custou? Por que é humano? É solidário? Por que viabiliza as futuras gerações? Oras, se a sociedade é de mercado, cumpram-se as regras do mercado! O agricultor está prestando um serviço que a natureza faria por todos. Então, deve receber um pagamento pelos serviços ambientais prestados. Quanto custa à sociedade, se preservados, a terra, o ar, a água e a biodiversidade local? Quantifique-se e pague-se a quem preserva. Troca justa. Dentro das regras. Ele ganha, a sociedade ganha. Todos ganham. O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é a grande alternativa àqueles que querem, por exemplo, mudar o Código Florestal Brasileiro, reduzindo as áreas preservadas dentro da propriedade rural. A lógica do PSA pode ser estendida à dona de casa,que separa o lixo, em detrimento daquela que não o faz; ao industrial, que trata seus efluentes, em detrimento daquele que os despeja no rio sem a devida atenção... Se a Lei de Crimes Ambientais pune quem faz o errado, já está na hora de bonificar quem faz o certo. O ganha-ganha pode estar diante dos olhos e não se enxerga. Veja o que o pernambucano Júlio César de Mello e Souza, escreveu há mais de 50 anos: ?Beremiz Samir e seu companheiro de viagem, apertados no lombo de um único camelo, à caminho de Bagdá, encontram três irmãos em acalorada disputa. O pai deixara-lhes de herança 35 camelos. Ao mais velho, cabia a metade dos camelos. Ao do meio, a terça parte. Ao mais novo, a nona parte. Mas, como fazer a partilha se a metade, a terça parte e a nona parte de 35 não são números exatos? - Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão ? fala, apeando, Beremiz Samir ? se me permitirem que eu junte aos seus 35 o camelo de meu companheiro de viagem. Mesmo sob o protesto do amigo, que nada entendeu, falou com tal segurança, que todos concordaram. E, prosseguiu: - Agora, são 36 camelos. E, voltando-se para o mais velho: - Deverias receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17,5. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, saíste lucrando. Dirigindo-se ao segundo herdeiro: - E tu, deverias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Também não poderás protestar Seu lucro é real. E, por fim, ao mais moço: - Tu, meu jovem, segundo o desejo de teu pai, deverias receber a nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber a nona parte de 36, isto é, 4. Teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer. E, concluiu com a maior serenidade: - Pela vantajosa troca, em que os três saíram lucrando, couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos, sobraram, portanto, dois. Um, como sabem, pertence ao meu amigo de viagem. Outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento, o complicado problema da herança. - Sois inteligente, ó Estrangeiro! ? Exclamou o mais velho. - Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade! Entregando as rédeas ao amigo, ambos continuaram a viagem para Bagdá. Agora, cada um em seu camelo?. O ganha-ganha existe. Pode estar nos negócios, nas relações pessoais, nas irremediáveis polêmicas ambientais... É mais lógico. É ético. Se procurar, encontraremos uma cáfila, ou melhor, um monte de soluções. A propósito, o pernambucano e professor Júlio Cesar de Mello e Souza atendia pelo pseudônimo de Malba Tahan. Este problema está em O Homem que Calculava, um de seus livros, traduzido em inúmeros idiomas. Se Beremiz Samir procurasse convencer os herdeiros usando conceitos sociológicos, argumentos filosóficos ou religiosos, não o conseguiria. A questão era de matemática. Por isso, ele usou regras matemáticas. Se a sociedade é de mercado, cumpram-se as regras de mercado. Ou mude-se o tipo de organização social! - Tá nervoso, padim? - Não. Só estou um pouco matemático. * Cáfila é o coletivo de camelo. * Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. ...


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